domingo, 12 de julho de 2009

Venda, venda!

Há um mês, mais ou menos, uma amiga me convidou para trabalhar em uma feira de roupas de inverno, aqui em Curitiba. Já que eu não estava fazendo nada, sem emprego e precisando de uns trocados, topei na hora. Trabalho é sempre muito bem-vindo!


Cheguei ao stand de blusas e logo a feira abriu. Não tive tempo de me familiarizar com as mercadorias e não tinha idéia de preços porque a ordem da gerente era não colocar etiquetas com os valores nos produtos. Coisa meio burocrática, a meu ver. Seria muito mais simples e prático por os preços em tudo. Assim a coisa ficaria mais profissional, mas ágil, além de evitar aquele constrangimento de perguntar para a moça o custo da mercadoria a todo minuto e, pior ainda, na frente dos clientes.
Mas, enfim, a área era de domínio dela e quem sou eu pra questionar táticas de marketing de vendas...

Fiquei impressionada com a quantidade de pessoas que paravam naquele stand. O balcão virou uma montanha de casacos.
Pelas tantas, chegou um homem que, pela sua expressão, notava-se ter alguma cultura. Ele me perguntou:
- Tem blusa de pura lã?
- Não. Apenas lã acrílica.
- Sabe onde posso encontrar?
- Acho que só no Uruguai ou Argentina – falei brincando, sem nenhuma maldade.
- É verdade – disse o homem com cortesia e sorrindo.

Neste momento, a gerente interrompeu nosso curto diálogo sem nenhuma cerimônia:

- Tem lã, sim. Aqui está – derramou uma porção de pulôveres acrílicos na frente do homem.
- Isto não é lã.
- É lãzinha.
- De que a lãzinha é feita?
Pausa curta
- É lãzinha acrílica.
- Eu estou procurando pura lã.
- Mas é lãzinha. É macia, quente, confortável e está barato. Aproveite! Leve! As cores combinam com seus cabelos!
- Obrigado, mas estou procurando pura lã.

O homem me dirigiu um sorriso com um discreto tom cúmplice, me disse tchau e foi embora.

A mulher se virou pra mim e disse que eu perdi uma venda. Não entendi. Respondi que nós não tínhamos o que ele procurava. Ela me respondeu que tinha dezenas de blusa de lã ali.
Cheguei à conclusão de que ela nem tinha idéia do que é pura lã e fiquei quieta.
Caramba!
Eu respondi que não tinha blusas de pura lã por que NÃO TINHA BLUSAS DE PURA LÃ naquela banca. Fiz alguma coisa errada???

Pois é. Eu fiz uma coisa muito errada, na visão de qualquer pessoa que está afinada com o mundo comercial. Ao invés de convencer o homem de que lã acrílica é muito melhor do que lã pura e que ele devia comprar meia dúzia daqueles pulôveres “maravilhosos” e desistir das “fibras naturais ultrapassadas”, me limitei a dizer que não tínhamos o que ele procurava e ainda brinquei com o cliente.
(Ah, fala sério! Pura lã neste mundo de coisas descartáveis é coisa rara. E cara!)

Mas eu não cometi o pecado de contar ao cliente que na primeira lavada os pulôveres maravilhosos virariam uma coisa deformada e cheia de bolinhas, óbvio. Oh! Não fui tão má vendedora assim!
No decorrer do dia, eu atendi muito bem as pessoas pelo simples fato de gostar das pessoas. Sei que cada uma carrega uma história de vida e está lá pra gastar nem sempre o que podem.

Fico espantada como alguns tem a capacidade de convencer outros a comprar coisas de que não precisam. Eu realmente não consigo. Sou um fracasso em vendas. Chego a ser patética até.

Às 10 da noite eu tinha batido papo e feito amizade com dezenas de boas pessoas, mostrado centenas de agasalhos mas, confesso, vendi muito pouco e minhas pernas doíam como nunca.
Então, a mulher disse a mim que não precisava mais dos meus serviços e me dispensou. Fiquei chateada. Eu precisava de dinheiro e imaginei que aquela feira me pudesse abrir alguma porta.

Bobagem. Eu já sabia que não era vendedora.

Uma vez tentei ser corretora de imóveis. Foi tão desastroso que nem sei como não me processaram.
Uma ocasião eu estava fazendo plantão em um conjunto de sobrados imensos. Lindos! Fiquei maravilhada com aqueles imóveis.
Só que quando se faz plantão, se tem muito tempo pra analisar mais detalhadamente um imóvel e acabei notando que as casas de três andares não eram assim tão espetaculares.
A primeira coisa com que fiquei muito indignada era a falta de janela no banheiro social. Havia um “respiro” pra disfarçar. Só que não dava pra lugar nenhum! Era de mentira! Alguém pode imaginar um banheiro sem ventilação alguma??? Uma caixa fechada com um respiro que dava pra uma parede de concreto – sim, eu sou curiosa e desmonto coisas pra ver de que são feitas.
Tinha a suíte master, no terceiro andar. Uau! Chique pra caramba, mas nenhum arquiteto de interiores do universo conseguiria colocar um armário sequer naquele quarto. As paredes tinham tantos recortes pra acompanhar ao máximo a caída do telhado que não era possível encaixar um móvel de mais de um metro de altura ali. Podem acreditar.
A banheira ficava em tal posição que apenas um anão não bateria a cabeça ao tentar tomar um banho quentinho – de novo o aproveitamento da caída do telhado.
Ah! Tinha a área dos fundos que além de ser minúscula não tinha sol em nenhuma época do ano. Tenho noções de astronomia e fiz os cálculos da “rota do sol” por ali.
Agora eu pergunto: é justo empurrar pra uma pessoa uma casa assim, e por um preço beirando o absurdo? Não. Devem concordar que não é justo. Gente! Vender uma casa é algo sério! É o lugar onde pessoas vão viver!
Mas, sempre o que importa é vender. Vender, vender, vender. Ganhar comissão, atingir metas e bla, bla, bla.
(Que vontade de falar um palavrão bem feio!)

O fato é que quando visitantes chegavam, eu era sincera meio demais. Falava “na lata” que o banheiro social não tinha ventilação e era complicado colocar armários na suíte máster. E sugeria meio timidamente, que, quem sabe, daria pra mudar a posição da banheira. Eu falava porque as pessoas ficavam encantadas com a sala e não tinham tempo pra enxergar os pecados arquitetônicos daquelas casas.

Resultado: não vendi um imóvel sequer. Mandava o pessoal olhar outras casas do mesmo padrão ali perto, que eram muito bem feitas e por um preço justo. Eu já as via visto. Não. Não eram da imobiliária onde eu trabalhava e até hoje eles não sabem que eu mandei um monte de clientes pra lá.
Pois é. De novo perdi um emprego e possíveis comissões da outra imobiliária.
Hoje dou risada de mim mesma.
Não adianta tentar fazer algo pra que não estamos talhados. Eu jamais vou ser boa em vendas ou marketing no mundo de hoje. Sou sincera demais.
A única coisa que vendi na minha vida foi pianos. Mas vendi porque eles, os pianos, eram esplêndidos! E eu adorava tocar um pouquinho pra mostrar a sonoridade pras pessoas. Era uma coisa muito linda que envolvia algo além de um bem a ser adquirido. Envolvia música, sentimentos, emoções e... uma coisa que a humanidade tem esquecido: a sensibilidade.

Fico meio enjoada de ver TV ultimamente. São anúncios às pencas pra comprar coisas de que não precisamos! Aproveitar redução de taxas; geladeiras que mais parecem naves espaciais; televisores da espessura de uma folha de papel; aparelhos que tiram a barriga; Imbras; cogumelos milagrosos e por aí vai.

Ou as pessoas estão muito burras ou os marketeiros e publicitários são amebas. Eu não sei. Talvez eu é que seja extremamente crítica.
O fato é que, hoje, o importante é vender, produzir, gerar lucro. Não importa o produto... muito menos a necessidade.

Eu não tenho condições de discorrer sobre economia, mas, será que as coisas são por aí? Estamos exaurindo os recursos de um planeta inteirinho em nome de lucro. Não seria tempo de questionar nossos valores e pensar que estamos dedicando a nossa vida pra, no final das contas, apenas vender coisas, sejam elas produções científicas, máquinas, alimentos? Não seria possível pensar num bem mais geral e que não destrua tanto a única casa que a gente tem??

Sempre que vendemos coisas, estamos pensando no nosso lucro e, eventualmente da empresa para qual trabalhamos. Ta certo... mas não seria mais sensato dimensionar de forma mais larga o que cada atitude nossa traz como consequência pra outros? Em nome de um mundo um pouco mais justo, não seria tempo de reavaliar nossas atitudes egoístas?
Eu não me arrependo de não ter vendido um imóvel de fachada lindíssima, mas caro demais para o que era além de estar condenado a virar um depósito de fungos e umidade. Não me arrependo de ter perdido comissões. Não me arrependo de mostrar pras pessoas o que elas não viam por estarem deslumbradas demais Não recebi comissões, mas, por outro lado, ganhei a confiança e a amizade de algumas poucas pessoas.

Creio que devia haver mais respeito. Mas não. Nem vai haver. Porque o importante, sempre, neste mundo que visa lucros e “resultados”, o que vale é vender, vender, vender. Seja o que for.

Este assunto trará muitos desdobramentos posteriores.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Hoje, porque ontem não deu

Enquanto vocês oravam…

Pensei neste título para o meu blog ontem. Aliás, ontem é que eu estava com vontade de escrever. Não hoje. Só que preciso escrever hoje. Então vou me esforçar bastante agora, embora esteja indisposta e triste. Mas alguma indignação e revolta ajudam bastante.

Acho que minha vida sempre foi intensa demais. Acumulei vivências fora da curva e observações que, aos poucos e, com alguma organização, devo converter em palavras inteligíveis - aviso que meu vocabulário é pobre e vulgar.

Mas pra que escrever? Nem sei. Este será só mais um blog no meio de centenas de milhares mais interessantes, de gente que domina gramática, literatura, ciências políticas, atualidades e seja mais o que for. Eu não domino nada. Nem mesmo as minhas emoções, creio.

Vamos lá!
“Enquanto vocês oravam” é impertinente, não?
Meio agressivo talvez. Herege!!! Não sei.
De qualquer forma, enquanto uns oram, outros vivem horrores. Isso me faz pensar que, se existe um deus, ele faz assepsia. Escolhe uns pra proteger, outros despreza e tantos muitos “Ele” atira a uma vida miserável desde que nascem.
Mundo non sense.

Vou contar uma historinha que mais ou menos justifica o título desta página.
Esta historinha se repete todos os dias neste mundo de grandes mentiras, aparências e gente fraca e covarde.
Se você não gosta de “baixo astral”, de coisas horrendas, feche esta janela e vá procurar um site leve, ou papear no “emiéssiene”.

“A ‘Ave Maria’ tocava no rádio Semp sobre uma prateleira presa na parede, perto de uma janela enfeitada por uma cortina de renda branca. Já era seis da tarde. Hora de tomar sopa, comer o pão caseiro fresco.
A menina arregalava os olhos. Não gostava quando o portão rangia anunciando que o homem estava chegando. Medo. Sentia muito medo.

Logo tinha que ir dormir, a menina. E logo vinha o homem deitar no mesmo quarto. Ele não era seu pai. Seu pai estava no céu, como a mãe dizia. Não eram seus irmãos. Eles quase nunca estavam. Era o homem que casou com a mãe.

Enquanto a avó e a mãe assistiam a novelas, o homem ia descansar do dia de trabalho na fábrica. Deitava na cama de casal e a menina fingia dormir na cama perpendicular coberta de lençóis brancos. Ele tirava as roupas. Ela ouvia, apavorada, o barulho do cinto sendo aberto. Mantinha seus olhos bem fechados, mas o cara sabia que ela não estava dormindo. Ele começava a rir baixinho, levantava e ia até a beirada da cama da menina
."
O resto eu não vou contar porque é muito pesado pra uma página pública – quem quiser mais detalhes da historinha, me peça por e-mail. Mas, vocês devem saber a continuação, né?

Depois das novelas a avó orava na cozinha. Todas as noites.
A menina imaginava que sua avó era uma santa e que o deus com quem ela conversava tão longamente não gostava dela.
O deus que criou tudo; que era muito sagrado; que só olhava pras pessoas puras; que castigava severamente quem fazia coisa feia; que era o detentor de toda a beleza; que dava um tal de reino pra quem “Ele” amava; que mandava tempestades quando estava enfurecido por causa das coisas feias que as pessoas faziam; que era dono de todas as estrelas, do sol, das flores e bichinhos; Ah! Esse deus via tudo e sabia que a menina fazia coisa muito feia. O deus não a amava. Ela era... nada. E nada podia falar porque o padrastro não ia achar bom. Ele dizia que ela era feia e suja e a mãe não devia saber disso. A mãe, igualmente, era uma santa.
A menina tinha 7 ou 8 anos. Não me lembro. Tem coisas que chocam profundamente e a gente apaga os detalhes da memória.
O fato é que menina sempre se sentiria... nada. Indigna. Suja. Feia. Culpada. Menos que todos. Com vontade de jamais ter existido. Carregaria isto pro resto da sua vida.


Que coisa, não? A gente vê famílias tão lindas com pai, mãe, filhos e cachorrinho perfumado e adornado de fitinhas e lacinhos, todos juntos na sala de televisão enquanto outros filhos de outros pais que não tem sala de televisão e cachorros magros e sarnentos na porta da casa esperando um resto de comida, morrem de fome, de doenças facilmente curáveis, de violência, de abandono.
As famílias lindas, protegidas por aquele deus asséptico, agradecem pelo que têm, enquanto os desgraçados suplicam por trabalho, por alimento, pela misericórdia do deus que, dizem, ser onipotente, onipresente e onisciente.

A vida pode ser um pesadelo pra maioria das pessoas. Agora, o que é mais revoltante é ver “santos” negarem a realidade.
Envoltos em suas auras limpas, observando e lamentando o mundo do alto de púlpitos, preferem entoar hinos pobres e idiotas; orar pra um fantasma ausente que satisfaz suas necessidades psicológicas “santíssimas” e livrarem, com estes versos espirituais, sua consciência de qualquer obrigação com o mundo real.

O mundo real, meus caros, é muito, muito triste. Selvagem. Pode até ser belo em alguns momentos. Mas nestes momentos, há que se estar desprendido do resto do mundo.

Fico pensando em coisas tão pequenas que podemos fazer pra alegrar pessoas e, lamentavelmente, ficamos escondidos na bolha que criamos pra nós mesmos. Este, sim, é um mundo imaginário. O mundo egoísta é um mundo imaginário e pessoal.

Muitas vezes, uma palavra boa da gente, um aperto de mão, um sorriso, um abraço, pode ser um grande alento e incentivo a uma pessoa que sofre sabe lá o que. Ninguém sofre porque quer.

Vou dizer uma coisa: eu abracei a menina feia e suja esses dias. Entendi suas dores, seu destino e disse que ela não tinha culpa pelas suas decisões meio erradas e seu jeito derrotista.
Acho que eu a ajudei a enxergar seu próprio valor, acreditar que ela pode tudo, apesar do mundo, Mostrei que não é uma bela família que constrói uma pessoa forte e de alto valor e, sim, o contato com o mundo como ele é: bárbaro.
Guerreiros jamais se formarão em um ambiente certinho e tranqüilo, mas no meio de dificuldades e dores. Assim é que se formam os “espíritos” de mais valor, mais sábios.
Disse à menina que ela é mais limpa e muito mais sábia que os medíocres que passam pela vida sem nada a acrescentar pra ninguém; esses protegidos do deus dos santos.

Me virei pro mundo e gritei: enquanto vocês oravam, inocentes choravam.
Enquanto vocês oravam, muito poucos lutavam por um mundo justo
Enquanto vocês oravam, crianças eram estupradas
Enquanto vocês oravam, balas atravessavam vísceras
Enquanto vocês oravam, muita gente chorava... e nunca vocês quiseram saber o porquê.
Por quê? É bem mais fácil não saber.